quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Dia Mundial da Filosofia

Eis a lista dos paradoxos (sem indicação das fontes) que foram seleccionados para uma exposição na Escola Secundária de Benavente, em 2007:

1) Esta frase é falsa.

2) Epiménides, o cretense, disse: “Todos os cretenses são mentirosos.” Este testemunho é verdadeiro.

3) O filósofo inglês George Edward Moore (1873-1958) mentiu apenas uma vez na vida, segundo Bertrand Russell; quando lhe perguntaram se dizia sempre a verdade, respondeu: “Não.”

4) Estou a mentir.

5) Um jacaré tirou o bebé à mãe, mas prontificou-se a devolver-lho se ela respondesse correctamente à pergunta: “Vou comer o teu bebé?” Após reflexão, a mãe deu uma resposta tal que o jacaré, para ser coerente, se viu constrangido a devolver o bebé.
(A resposta foi sim.)

6) A afirmação seguinte é falsa. A afirmação anterior é verdadeira.

7) O acusado ouviu a seguinte sentença: “O réu é condenado à morte. Vai agora fazer a sua última afirmação a este tribunal. Se disser uma verdade, terá uma morte rápida e piedosa; se disser uma falsidade, será longamente torturado e só depois morrerá.” A resposta foi tal que os juízes, em coerência com a sua decisão, se viram constrangidos a libertá-lo.
(A resposta foi: “Vou ser torturado e só depois morrerei.”)

8) Não leias isto.

9) Regras para bem escrever um texto filosófico:
1. Não utilize nunca a dupla negação.
2. Nunca use vírgulas, que não sejam necessárias.
3. O verbo têm de concordar com o sujeito.
4. Em relação a deixar frases incompletas.
5. Depois de escrever, leia sempre o que escreveu a ver se não se de nada.
6. Não dê erros ortugráficos.

10) Uma ilha onde vigora uma lei curiosa: um visitante deve dizer sob juramento por que lá vai: se responder a verdade, tudo bem; se não, será enforcado. Um dia, um visitante respondeu: “Vim cá para ser enforcado.”
— Como decidiu o governador da ilha, Sancho Pança (Dom Quixote, II, cap. LI)?
(Qualquer decisão violará a lei; por isso, decidiu ser misericordioso e libertar o homem.)

11) “Faço a barba a todos os homens da cidade que não se barbeiam a si próprios, e só a esses.”
— Quem barbeia o barbeiro (imaginado por Bertrand Russell) que tem esta placa na sua loja?

12) Esta afirmação pertence ao conjunto que contém todas as afirmações falsas.

13) A sua próxima resposta será não? Responda sim ou não.

14) 1. Deus não existe.
2. O Diabo não existe.
3. Pelo menos uma frase neste rectângulo é falsa.
Deus ou o Diabo: de acordo com este conjunto de frases, algum deles existe? (Raymond Smullyan, in What Is the Name of This Book?)

15) A frase escrita no verso desta folha é falsa. (OU: A frase seguinte é falsa.)
A frase escrita no verso desta folha é verdadeira. (OU: A frase anterior é verdadeira.)

16) Platão: “A próxima afirmação de Sócrates será falsa.”
Sócrates: “Platão disse a verdade.”

17) Esta frase não tem seis palavras.
Esta frase tem seis palavras.

18) Ser livre de controlo é ser controlado por si mesmo; logo, o homem nunca pode estar livre de controlo.

19) É decretado que o prisioneiro será enforcado num dia entre segunda-feira e sexta-feira; é decretado também que o enforcamento ocorrerá num dia inesperado, ou seja, só será descoberto o dia do enforcamento no próprio dia. Ele raciocina assim:” Não posso ser enforcado na sexta-feira, porque, se ainda estivesse vivo na quinta-feira, saberia que o enforcamento seria no dia seguinte, sexta-feira. Também não posso ser enforcado na quinta-feira, pela mesma razão; nem, na verdade, em qualquer dos outros dias. Logo, não vou ser enforcado”.
(Problema: e se o carrasco chegar inesperadamente na quarta-feira para o enforcar, surpreendendo o prisioneiro?)

20) A palavra “heterológica”, que quer dizer “não aplicável a si mesmo”, é ela mesma heterológica?

21) Deus, que pode fazer tudo, pode criar uma pedra tão pesada que não a consiga levantar?
(Se não pode criar tal pedra, então não é omnipotente. Se pode criar tal pedra, então também não é omnipotente, já que não poderia levantá-la.)

22) Foram aprovadas as seguintes resoluções:
1. É aprovada a construção de uma nova prisão.
2. É aprovado que a nova prisão será construída com os materiais da velha.
3. É ainda aprovado que a antiga prisão se manterá em funcionamento até que a nova esteja construída.
Problema: ela foi ou não construída?

23) Se a verdade não existe, a declaração “A verdade não existe” é uma verdade, provando-se, portanto, incorrecta.

24) Um homem viaja no tempo e engravida a sua própria tetravó. O resultado é uma linha de descendentes que inclui o próprio homem e os seus pais. Portanto, a menos que ele faça a viajem temporal, ele nunca existirá.

25) Dentre todos os livros de uma biblioteca dois são catálogos com as seguintes propriedades:
1: o primeiro cataloga todos (e apenas) aqueles livros que fazem referência a si próprios;
2: o segundo cataloga todos (e apenas) aqueles livros que não fazem auto-referência.
Em qual dos catálogos os próprios catálogos devem se incluídos?

26) Numa caravana viajam, pelo deserto do Sahara, três personagens: A, B e C. Tanto A como B decidem, cada um por si, matar C. Durante a noite, A põe veneno no cantil de água de C, enquanto B opta por perfurar o cantil de C.
Uns dias depois, C morreu de sede.
Problema: quem foi o assassino, A ou B?

27) Numa ilha remota, vivem dois tipos de habitantes: os cavaleiros, que dizem sempre a verdade, e os matreiros, que mentem sempre.
Três destes habitantes são A, B e C; cada um deles é ou ‘cavaleiro’ ou ‘matreiro’. A e B fazem as seguintes afirmações:
A: Nós os três somos matreiros.
B: Apenas um de nós é cavaleiro.
O que são A, B e C?
(A é um ‘matreiro’: se o que diz fosse verdade, ele teria que ser ‘cavaleiro’ e, nesse caso, contraditoriamente, não poderiam ser todos ‘matreiros’; B é um ‘cavaleiro’: se fosse ‘matreiro’, só C é que poderia ser ‘cavaleiro’ e a frase de B teria que ser verdadeira, o que só pode acontecer quando proferida por um ‘cavaleiro’; C é um ‘matreiro’: como B é ‘cavaleiro’, a sua frase é verdadeira e, portanto, C não pode ser também ‘cavaleiro’, visto que só há um.) (Raymond Smullyan, in What Is the Name of This Book?)

Paulo Lopes

8 comentários:

Stoa disse...

S. Paulo também
A propósito do 2) (e das suas variações), encontra-se o seginte trecho numa das epístolas de S. Paulo (Epístola da Tito, capítulo 1): «Porque há muitos desordenados, faladores, vãos e enganadores, principalmente os da circuncisão (10). Aos quais convém tapar a boca; homens que transtornam casas inteiras ensinando o que não convém, por torpe ganância.» Mas o melhor (a contribuição do apóstolo para o elenco dos paradoxos semânticos) vem a seguir, nos versículos 12 e 13: «Um deles, seu próprio profeta, disse: Os cretenses são sempre mentirosos, bestas ruins, ventres preguiçosos (12). Este testemunho é verdadeiro. (13)»
Será uma longíngua e refinada alusão lógica do apóstolo ou ele não se terá apercebido do potencial 'paradóxico' deesta declaração?

Paulo

Anónimo disse...

Trata-se do trecho a que se convencionou chamar "Os falsos mestres". Não encontro, na minha tradução, nada semelhante a "Porque há muitos...". Na versão de que disponho: "Há, de facto, muitos insubordinados, palradores e sedutores, sobretudo entre os da circuncisão (...)". A adição de "Porque" cria um problema semântico, faltando estabelecer um nexo causal. Na Carta, diz Paulo, antes, que o bispo (de Creta, Tito), deve ser capaz de refutar os contraditores, devendo entender-se "tapar a boca" como tarefa refutatória. Ou seja, este acrescento é que consente que se instale aquela compreensão lógica. Mais à frente: «Aliás, como disse um deles, que era profeta [não "seu próprio", nem exclusivamente deles, dos da circuncisão - judeus ou cristãos oriundos do judaísmo -, mas simplesmente profeta de cariz judaico em Creta], "os cretenses são sempre mentirosos (...)." E este testemunho é verdadeiro». O profeta não teria de ser, necessariamente, cretense, mas simplesmente "um deles", dos que se apresentavam como pregadores, acusados por Paulo de enganadores. Mas, ao aderir ao testemunho, Paulo deve querer, de facto, referir-se não só aos nascidos em Creta mas também àqueles que chegados a Creta se deixam afectar ou contagiar pelo estilo de vida orientado pelo lucro desonesto, pelo vinho, cólera e violência. Previne Tito e exorta-o a uma existência exemplar - e dos seus presbíteros - e irrepreensível, combatendo as "fábulas judaicas" e os "preceitos dos homens que se afastaram da verdade".
A Carta não se destinaria a ser lida em Creta (segundo alguns intérpretes dos escritos paulinos).
O potencial 'paradóxico' não parece, pois, residir muito em Paulo, uma vez que da colagem ao testemunho "os cretenses são sempre mentirosos" não se infere que a alusão ao profeta seja a um cretense, mas talvez somente a um "da circuncisão". O dito tem matéria paradóxica quando relacionado com Epiménides de Creta.
Alberga pouco isto que aqui deixo. Leve-se à conta de uma saudação.

Nota: a referência a Paulo é sempre, claro, ao de Tarso.


Fernando.

Castro L. disse...

"1) Esta frase é falsa."

1)“Esta” é pronome demonstrativo. “Esta frase é falsa” refere-se a uma outra extrínseca, enunciada por esta. A frase que está junto de “Esta frase é falsa” – é falsa; trata-se, arbitrariamente, da frase “os homens têm todos asas e penas”.

2)“Esta” é um pronome demonstrativo adjunto (os pessoais têm sempre emprego absoluto), pertencendo ao conjunto dos pronomes determinativos. “Esta” designa o objecto que está próximo da pessoa que fala ou do substantivo que, numa frase, está mais perto ou lhe é adjacente. A razão para escolher o substantivo que, na frase, está mais junto do pronome demonstrativo é tão arbitrária como a decisão – mais acertada, a nosso ver, e correspondendo ao uso corrente – de considerar que o pronome que está junto do substantivo determina o objecto próximo da pessoa falante designado pelo substantivo. Aliás, cremos, que o pronome demonstrativo serve para indicar alguma coisa extrínseca (que provém de circunstâncias exteriores) aos termos de que a frase se compõe; senão o pronome demonstrativo junto ao substantivo seria intrínseco, inerente ao substantivo, não à coisa que este evoca. Quando digo “Este homem é maluco”, estou em presença dessa exterioridade.

3)Querer orientar “Esta frase é falsa.” em direcção a um paradoxo semântico é um opção, mas não única, nem tampouco necessária. Isso decorre da falta de informação da frase; não é auto-suficiente; carece de contexto, como muitas. Isolada presta-se a exercícios engraçados. Vejamos esta frase: “Esta frase está, gramaticalmente, mal construída.” Não há motivo de maior para, num caso como este – “Esta mulher chora muito” – se recorrer a um universo extra-linguístico e, no primeiro caso, não, restando num domínio intra-linguístico.

4)Muitas coisas espirituosas encontraríamos, se pretendêssemos que o sentido das frases se consome somente dentro delas. Assim, “Estou a comer as letras todas [da sopa].” poderia ser entendido como estar a comer a própria frase. “Estou a pervagar” corresponderia a um esquisito cruzamento dentro do perímetro geométrico-sintáctico, andamento que ditaria a própria estruturação da frase, o seu ordenamento. Como vimos noutro local de “postagem” (João – “Eu não estou a escrever isto”), embora não se garanta que tenha ficado claro, quando se diz ou escreve “Estou a escrever”, isso não é auto-referencial, isto é, não se reenvia a si mesmo, não quer, fatalmente, significar “Estou a escrever ‘estou a escrever’”.

Há por aí muito material. Por agora, ficamos assim.

Castro L. disse...

Pequena corrigenda às notas anteriores. Onde se lê "3)(...) é um opção" deve ler-se "é uma opção". Onde se lê «4)(..)“Estou a comer as letras todas [da sopa].” poderia ser entendido como estar a comer a própria frase.» deve ler-se «poderia ser entendido unicamente como estar a comer a própria frase.»

Fernando.

Stoa disse...

Sobre S. Paulo: obrigado pelo enquadramento histórico. O dito tem matéria 'paradóxica' quando relacionado com qualquer cretense (Epiménides, por exemplo), não? Mais uma vez, obrigado pela tua saudação (neste início de blog, por assim dizer) e pelos teus 'extensivos' contributos.

Paulo

Stoa disse...

Dois exemplos engraçados (a da frase gramaticalmente mal construída -- que me lembra a fraze hortugraficamente incurrecta -- e a das letras comidas)!
Suponho que deves gostar do exemplo 9), então.
Conheces a solução de Tarski que se pode aplicar aos paradoxos semânticos?
Continua a visitar-nos!

Paulo

Castro L. disse...

“Se a verdade não existe, a declaração “A verdade não existe” é uma verdade, provando-se, portanto, incorrecta.”

Uma vez que à verdade não cabe nenhum estatuto ontológico, isto é, não se inscreve na existência, mas num conceito, ou caracteriza as proposições em termos de valor, decorrendo desta propriedade o valor semântico delas, então a declaração é verdadeira. Mas não incorreta, já que o valor de verdade não é dado ao abrigo de uma “verdade não existente”, mas antes segundo aquela propriedade. De qualquer modo, dizer que a declaração é verdadeira e incorreta não é o mesmo que dizer que é verdadeira e falsa, posto o erro não ser incompatível com a verdade. É possível declarar algo verdadeiro erradamente, ou até alguma coisa que é errada com verdade. Todavia, o que é importante notar é que a incorreção não afeta o valor de verdade, podendo somente aludir à formulação. Trata-se de uma adjetivação atinente ao incómodo, se quisermos, da declaração, como se, pelo facto de induzir um desconcerto, fosse incorreta. Portanto, ainda que fosse ‘provada’ a incorreção, averba-se um valor de verdade verdadeiro.

O termo singular ‘verdade’ do antecedente induz uma referência vazia, mas não deixa de participar no sentido global. De facto, seguindo Frege, é possível ter sentidos de nomes sem referência; e também um sentido global da frase – a expressão de um pensamento – com as referências dos termos singulares incertas; ou seja, frases com expressões de pensamento com sentido, mas sem qualquer valor de verdade (ainda que esta abordagem seja controversa - já que suporia exprimir sobre inexistentes com sentido, caucionando o valor semântico -, serve agora a interpelação desta entrada).

O paradoxo (dito “nihilista”) que vi era diferente: ‘se a verdade não existe, a declaração "a verdade não existe" não é uma verdade, provando-se, portanto, incorreta.’ A declaração “A verdade não existe” seria falsa em razão da suposta inexistência da verdade. (Trata-se, contudo, de uma falsa condicional, já que a inexistência da verdade não pode ser uma condição de ser o caso contido na declaração). Mas, aqui, nesta versão, a ideia da prova da incorreção está mais bem empregue, em termos de efeito, coadunando-se melhor a incorreção com a falsidade.

Fernando Lopes

Phronesis disse...

Olá, Fernando.

"O paradoxo (dito “nihilista”) que vi era diferente: ‘se a verdade não existe, a declaração "a verdade não existe" não é uma verdade, provando-se, portanto, incorreta.’"; e "A declaração “A verdade não existe” seria falsa em razão da suposta inexistência da verdade."
Confesso que não entendo esta versão do paradoxo - nem a justificação: como é que a inexistência da verdade é a razão da falsidade da declaração em causa?
Na versão que aqui incluí (Se a verdade não existe, então a declaração que afirma isso é verdadeira), há um paradoxo semântico (a declaração seria verdadeira porque a verdade não existe - diz a antecedente -, mas, nesse caso, a mesma declaração não poderia ser verdadeira, visto que, como a verdade seria inexistente, nenhuma declaração o pode ser.
Acresce que a antecedente parece estar formulada em linguagem -objeto e a consequente em metalinguagem/ linguagem de nível 1!

Obrigado pela atenção dada ao exemplo 23 e pela participação!

Paulo