sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A alegoria da caverna: perplexidades (6)

6) O filme The Truman Show (A Vida em Directo, realizado por Peter Weir) ilustra uma possibilidade semelhante (à de uma seita mantida na ilusão): ainda poderíamos admitir (se o argumentista Andrew Niccol tivesse caprichosamente favorecido tal desfecho anti-heróico e politicamente incorrecto) que Truman pudesse ser aliciado a preferir o mundo familiar e protegido (ainda que falso) em que crescera ao mundo inóspito da realidade ‘lá de fora’; mas qual o espectador que engoliria a ideia de Truman crer que o mundo do estúdio era mais real do que o de ‘lá de fora’?


Paulo Lopes 

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A alegoria da caverna: perplexidades (5)

5) Nas leituras modernas desta alegoria, a caverna é, como já aqui se disse, a televisão. Se, numa seita cujos membros vivessem num rancho murado, sem poderem sair, estas pessoas conhecessem o mundo através de séries e telenovelas — que elas seriam levadas, por um líder religioso carismático (ou mais do que um) a supor que representavam a realidade, ou seja, que eram documentários sobre o estado do mundo a que elas tinham acesso privilegiado —, uma dessas pessoas fosse libertada (ou expulsa), ela não tardaria muito a perceber que tinha vivido uma ilusão. Decerto não iria supor que as telenovelas eram mais reais do que a nova (e brutal, mas também mais complexa) realidade que lhe era dado ver.


Paulo Lopes

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A alegoria da caverna: perplexidades (4)

4) Que, “se a prisão tivesse também um eco na parede do fundo” e “quando algum dos transeuntes falasse”, os prisioneiros tomariam o eco pela voz da “sombra que passava” (515b), não custa muito admitir. Mas — e esta já é outra fase da experiência ‘educacional’ —, se um dos prisioneiros fosse libertado e lhe mostrassem os objectos e pessoas reais que causavam as sombras dele bem conhecidas, seria altamente improvável que atribuísse mais realidade às sombras do que aos objectos e pessoas que lhe mostravam, contrariamente ao que afirma Sócrates (515c-d).


Paulo Lopes