terça-feira, 29 de janeiro de 2008

FERNANDO PESSOA

Por entre fragmentos e palavras no Livro do Desassossego


Trecho 12

"Nestas impressões sem nexo, nem desejo de nexo, narro indiferentemente a minha autobiografia sem factos, a minha história sem vida. São as minhas Confissões, e, se nelas nada digo, é que nada tenho que dizer."


Trecho 296

"A mania do absurdo e do paradoxo é a alegria animal dos tristes. Como o homem normal diz disparates por vitalidade, e por sangue dá palmadas nas costas dos outros, os incapazes de entusiasmo e de alegria dão cambalhotas na inteligência e, a seu modo, fazem os gestos da vida."


Trecho 297

"A reductio ad absurdum é uma das minhas bebidas predilectas."


Trecho 313

"Irrita-me a felicidade de todos estes homens que não sabem que são infelizes. (...)"


Trecho 317

"Uma das minhas preocupações constantes é o compreender como é que outra gente existe, como é que há almas que não sejam a minha, consciências estranhas à minha consciência que, por ser consciência, me parece ser a única. (...) Ninguém, suponho, admite verdadeiramente a existência real de outra pessoa. (...)"

Miguel Pais

9 comentários:

Stoa disse...

A ligação aos paradoxos semânticos da maioria dos trechos (12, 297, 313, 317) é (deliberadamente, para 'desestabilizar as hostes'?)episódica e evocativa, não é? Mas o 296 não: este tem uma tese (antropológica, aparentemente). É muito provável que Fernando Pessoa se revisse naquela observação lapidar (afinal, os seus textos lidam muito com antíteses e absurdos, e só um mentiroso ou cínico poderia acusá-lo de ter o radiante temperamento dos alegres). Mas tu, Miguel, que selecionaste estes trechos: subscreves ou rejeitas essa tese? Ou tens uma posição mais matizada? Estou ansioso por saber a resposta!...
Até breve.

Paulo Lopes

Renato Martins disse...

tambem tive a minha experiencia de criar blogues para os meus alunos do secundário.
o vosso esta muito bom.

abraço colegas

Stoa disse...

Caro Renato,
obrigado pela opinião encorajadora.

Se conheceres algum paradoxo semântico que tenhamos ignorado, diz-nos, se quiseres, para o incluirmos aqui. Se quiseres deixar uma ligação (um site, um blog em que estejas envolvido), teremos gosto em visitá-lo.

Volta sempre.
Abraço.

Paulo Lopes

Stoa disse...

...na passagem dos dias teimo em perder-me no caminho. A demora da resposta habita no labirinto do tempo.A selecção dos trechos pessoanos foi realizada, deliberadamente, para 'estabilizar' a ideia do «paradoxo» enquanto juízo que contrasta com a opinião dominante, quantas vezes filha do hábito, do preconceito, da necessidade ou da ignorância. A solidez de uma opinião dominante assente em paradoxos semânticos deve ser capaz de conviver com a intervenção episódica e evocativa dos paradoxos existenciais.Encontramos Pessoa no horizonte paradoxal da existência. Os trechos apresentados são distintos dos paradoxos semânticos quanto à sua intenção e pelo seu conteúdo. O objectivo foi o de conduzir o pensamento a uma contradição num outro sentido. A relação de Pessoa com o absurdo, no consumo da antítese e do paradoxo, não sendo anti-racional, antecede ou memso ultrapassa o exercício lógico e instrumental da razão.A proximidade ao absurdo conduz Pessoa a uma caracterização do homem afastado dos jogos e exercícios lúdicos da razão, nos quais se disfarça a verdadeira natureza humana. Nos seus textos inseridos nos "Temas Antropológicos e Éticos" encontramos pequenas passagens indicadoras: "O homem é um animal irracional, exactamente como os outros. A única diferença é que os outros são animais irracionais simples, e o homem é um ser irracional complexo." "O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não." O homem luta não só, como os animais, pelo necessário, mas também pelo supérfluo. (Aqui se mostra o mórbido.) A luta pelo supérfluo."Afastamo-nos do contexto medieval dos paradoxos reunidos no 'De Insolubili'. Afastamo-nos, também, do enquadramento de uma Teoria da Linguagem e da Metalinguagem radicada na abordagem metalógica do paradoxo.Nas suas "Meditações Metafísicas", Pessoa reconduz a sua reflexão: "Assim, para se sentir puramente Si-próprio cada ente tem que estar em relação com todos, absolutamente todos, os outros entes; e com cada um deles na mais profunda das relações possíveis. Ora a mais profunda das relações possíveis é a relação de identidade." É neste sentido que Pessoa pretende restabelecer a verdade profunda face às verdade do senso comum, da ciência e da filosofia. O paradoxo não se deve fechar em si, num jogo meramente lúdico em que se sobrepõem diferentes níveis de linguagem, o verdadeiro jogo é inconsciente.Relembrando os trechos escolhidos e regressando à escrita fragmentária e ao fingimento de Pessoa:O «nexo» pode ser desejado?O que procuramos quando bebemos do 'absurdo'?Pode o solipsismo ser uma escolha? Será uma demência? Será uma evidência? Não será???...Abraço. Até breve.Miguel

Anónimo disse...

Boa noite.
Quero começar este meu comentário com uma palavra de apreço para os autores do blog e respectivos participantes, iniciativas destas são sempre de saudar.
Miguel, obrigado pela consideração. Depois deste prólogo que achei por bem escrever, acrescento ao trecho 317 do Livro do Desassossego um poema de Àlvaro de Campos, por mim considerado como paradigmático da teoria do absurdo Pessoano, ou melhor, da teoria do "nexo" Pessoano, que convida a uma reflexão profunda sobre o vector ontológico (hoje estou muito matemático, peço desculpa se firo algumas sensibilidades) da existência, senão vejamos:
"Às vezes medito,
Às vezes medito, e medito mais fundo, e aínda mais fundo
E todo o mistério das coisas aparece-me como um óleo à superfície,
E todo o universo é um mar de caras de olhos fechados para mim.
Cada coisa - um candeeiro de esquina, uma pedra, uma árvore,
É um olhar que me fita de um abismo incompreensível,
E desfilam no meu coração os deuses todos, e as ideias dos deuses.
Ah, haver coisas!
Ah, haver seres!
Ah, maneira de haver seres
De haver haver,
De haver como haver haver,
De haver...
Ah, o existir o fenómeno abstracto - existir,
Haver consciência e realidade,
O que quer que isto seja...
Como posso eu exprimir o horror que tudo isto me causa?
Como posso eu dizer como é isto para se sentir?
Qual a alma de haver ser?
Ah, o pavoroso mistério de existir a mais pequena coisa
Porque é o pavoroso mistério de haver qualquer coisa
Porque é o pavoroso mistério de haver...

Muito obrigado e boa noite

Vasco Rodrigues

Anónimo disse...

Bom, já agora deixo o meu mail:
vascorodrigues@netcabo.pt
Sintam-se à vontade para me escreverem.
Obrigado,
Vasco Rodrigues

Stoa disse...

Miguel,
suspeito que a tua posição se encontra condensada nestes trechos: "A solidez de uma opinião dominante assente em paradoxos semânticos deve ser capaz de conviver com a intervenção episódica e evocativa dos paradoxos existenciais"; e "O objectivo foi o de conduzir o pensamento a uma contradição num outro sentido". Podes explicá-los, por favor? Não entendi o sentido do segundo trecho; no primeiro, expressões como "opinião dominante assente em paradoxos semânticos" e "deve ser capaz de conviver com..." precisam de ser urgentemente esclarecidas (em nome da atenção hospitaleira que se deve prestar a qualquer opinião); urgentemente, digo eu, para não correr o risco de, ao comentá-las, laborar em equívocos. Que querias dizer exactamente?
Um dos novos excertos (aquele que começa assim: "Assim, para se sentir puramente Si-próprio...") tem um travo emblematicamente (ou talvez apenas provocatoriamente?) obscurantista, não achas?
Até breve.

Paulo Lopes

Stoa disse...

Paulo,

a minha posição não se encontra condensada nos trechos referidos. A urgência do esclarecimento e a prestação de uma atenção hospitaleira são devidas a todos aqueles que fazem do pensar a esgrima do sentido. Aí me encontro, aí te encontro, aí se encontram todos os que partilham «os caminhos do bosque».
Nesse sentido, devemos aceitar que o equívoco e o obscuro não são mais que o 'terreno fértil' dos devaneios intelectuais.
De qualquer modo, quanto aos trechos assinalados, procurei na construção do discurso escrito utilizar a própria definição de paradoxo ao estabelecer a relação entre paradoxos semânticos e paradoxos existenciais. O paradoxo semântico exerce um certo domínio sobre o paradoxo existencial por conseguir, através do artifício da metalinguagem, estabelecer o 'verdadeiro' e o 'falso'. É neste sentido que se quebra o convívio com a obscuridade das questões existenciais em que Pessoa mergulha. Nada mais do que isso!
O objectivo foi o de conduzir o pensamento a uma contradição num outro sentido, ou seja, o objectivo foi o de conduzir a nossa reflexão até aos paradoxos existenciais onde a contradição não se esgota no exercício lógico e instrumental da razão (como no horizonte semântico), mas estende-se para lá desses 'jogos', nos quais se disfarça a verdadeira natureza humana. "O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não."
Refiro-me sempre aos pensamentos. Nunca às pessoas! Devo sublinhar que, considerar um pensamento é de uma ordem diferente do ter consideração por uma pessoa.
Os pensamentos discutem-se "(...) com todos, absolutamente todos (...)", no horizonte da "(...) mais profunda das relações possíveis(...)", a relação de identidade.
Antes de mais, "(...) para se sentir puramente Si-próprio (...)", é necessário responder à pergunta: O que procuramos quando fazemos do absurdo a nossa 'bebida predilecta'? É nesta questão que se encontra condensada a minha posição.

1abraço com amizade.
Saudações filosóficas!!!

Stoa disse...

Miguel,
desculpa só agora reagir à tua resposta (depois de te ter pedido urgência), mas, como já tínhamos trocado umas breves impressões oralmente, não senti como tão imperiosa a prontidão para responder (erradamente, de qualquer modo). A mensagem implícita que parecia insinuar-se no teu comentário anterior, posso agora dizer-te, era qualquer coisa como: "aos que dominadoramente se comprazem nas subtilezas dos paradoxos lógicos: dêem lugar aos minoritários (mas não menos ilustres) paradoxos existenciais!"
Podemos deixar isso de lado, mas, francamente, continuo sem saber bem o que são paradoxos existenciais; de qualquer modo, por aquilo que dizes, parece que é nos 'jogos' (de palavras) que tais paradoxos (cujas contradições se estendem para um 'terra incognita' inefável) melhor florescem.
E quanto à tua posição, que sugeres com uma pergunta: não lhe queres responder?
Aquele abraço.

Paulo