Mais uma linha de silêncio, assinalando
agora mais de dois anos de mutismo.
Retomando as referências aos filmes
anteriormente anunciados, temos eXistenZ,
realizado por David Cronenberg em 1999. Passado num futuro* não muito distante,
revela-nos uma cultura na qual os criadores de jogos têm um estatuto
olimpicamente elevado e é organicamente — através de “bio-portas” (conetores
orgânicos) — que os jogadores habitam os jogos. A mais recente criação de
Allegra Geller, o sistema eXistenZ — que ela pretende testar publicamente —, é
tão imersivo, gráfica e emocionalmente, que a fronteira entre realidade e
escapismo se torna difusa — a tal ponto que existem fundamentalistas
(denominados ‘realistas’) dispostos a combater (com o assassínio,
inclusivamente, pois sobre a designer
de eXistenZ pende uma espécie de fatwa de
morte) a perversa subversão de fronteiras que os jogos virtuais de grande
profundidade e perfecionismo simulatórios (como eXistenZ, particularmente) promovem,
induzindo efeitos deformantes na perceção da realidade. Estas premissas
legitimam a delirante roleta-russa que o argumento (do próprio Cronenberg)
habilmente providencia, culminando num final ambíguo.
A relação que este filme conserva com a
experiência mental do Génio Maligno é um pouco mais lateral do que Matrix, convocando, sobretudo, o
universo contemporâneo dos jogos de realidade alternativa (Alternative Reality
Games ou ARG, para abreviar). Uma pesquisa pouco esforçada na Internet
prontamente nos revela os contornos deste universo. Esses jogos configuram-se em
redes narrativas que tomam o mundo real como plataforma; há uma história em
tempo real, interativa, e uma participação intensa dos jogadores — tão intensa
que o desenrolar da história depende, em grande parte, das ações dos
participantes ou jogadores, que (recorrendo a múltiplos formatos, como séries
televisivas, sites fictícios e sites reais — com números de telefones, por
exemplo, que funcionam realmente e, jogos de cartas, música...) interagem entre
si e com personagens controladas internamente pelos seus designers — que, embora definam previamente regras (explícitas e
implícitas) para assegurar a coerência interna da história e da sucessão de
cenas e interações, admitem que tais regras podem ser alteradas por ensaio e
erro.
Exemplos deste tipo de narrativas
encontra-se, por exemplo, no site Webfiction Guide (http://webfictionguide.com/).
*A tentação de jogar com palavras da
temporalidade, ainda que comezinha, é muito forte — e porque havemos de
resistir-lhe?
Paulo Lopes